Laboratório de Arqueobotânica e Paisagem, Museu Nacional, UFRJ

Microarqueobotânica

Microarqueobotânica é o estudo de microvestígios botânicos em contexto arqueológico, especialmente fitólitos e grãos de amido. Mas esse estudo pode abranger também a análise de diversos outros microvestígios, principalmente grãos de pólen e esporos, e, em alguns casos, inclui até partículas biogênicas não botânicas, como esporos de fungos, frústulas de diatomáceas, espículas de esponja e outros.

Esses microvestígios geralmente são encontrados nos solos e sedimentos (onde se depositam após deterioração das plantas), na superfície ou em fendas e depressões de artefatos diversos como vasilhas cerâmicas ou objetos líticos utilizadas para armazenar, processar ou cozinhar alimentos (onde ficam retidos após o uso) ou em cálculos dentários (tártaro), onde são aprisionados em decorrência da mastigação ou uso dos dentes para fins não alimentícios, como processamento de fibras, por exemplo.

 Na verdade, microvestígios botânicos podem ser encontrados nos mais diversos tipos de materiais arqueológicos, incluindo coprólitos, conteúdo estomacal, enterramentos e sedimentos associados de área pélvica ou peitoral, contextos lacrados, tecidos e cestarias (ou seus vestígios), entre outros.

FITÓLITOS são biomineralizações produzidas no interior ou entre as células das plantas. Esse termo designa tanto partículas de sílica (silicofitólitos) quanto compostos cálcicos, como oxalato ou carbonato de cálcio (calcifitólitos). No entanto, alguns pesquisadores restringem o termo “fitólito” apenas às partículas de sílica, argumentando que partículas de cálcio não são tão diagnósticas, não se preservam tão bem, ou são difíceis de serem extraídas dos sedimentos. Por serem partículas minerais, são muito resistentes à decomposição, e se preservam em uma grande variedade de materiais arqueológicos e geológicos por longos períodos de tempo. Assim, podem ser encontrados em contextos em que a preservação de outros vestígios orgânicos é prejudicada.

Fitólitos ocorrem principalmente em folhas, caules, sementes e flores/inflorescências, mas podem se formar também em outros órgãos, atuando na sustentação, proteção contra herbivoria e outras funções fisiológicas das plantas. Eles são produzidos em muitas famílias botânicas (frequentemente em grande quantidade) e apresentam formas e tamanhos característicos, que são diagnósticos taxonomicamente ao nível de família ou gênero, e portanto possibilitam a identificação das plantas que os originaram. Em alguns casos, fitólitos provenientes de partes distintas de uma mesma planta podem ser identificados, já que muitas espécies produzem fitólitos morfologicamente distintos em diferentes partes de sua estrutura.

GRÃOS DE AMIDO são compostos de polímeros de carboidrato e são a principal forma de armazenamento de energia das plantas. São partículas orgânicas, portanto relativamente frágeis. Porém, diversas pesquisas demonstram que podem se preservar por milhares de anos, sendo encontrados em contextos e ambientes diversos, até mesmo em sítios a céu aberto em região tropical.

Grãos de amido são acumulados pelas plantas em grandes quantidades em órgãos de reserva, como tubérculos, raízes tuberosas, rizomas, certos frutos e sementes, e por isso são ótimas fontes de energia para humanos e animais. O grande potencial da análise de amido na arqueologia decorre do fato das plantas amiláceas estarem intimamente ligadas à alimentação humana, mas seu estudo pode trazer diversas informações sobre o uso de plantas por populações passadas. Os grãos de amido apresentam caracteres morfológicos reconhecíveis como forma, tamanho, aspectos da superfície e da estrutura interna que permitem a identificação taxonômica ao nível de espécie. Além disso, a análise de grãos de amido pode fornecer informações sobre o processamento de vegetais, pois processos de preparo tais como cozimento e moagem provocam transformações características nas estruturas dos grãos.

Tradicionalmente, os estudos de fitólitos e de amido se estabeleceram como duas linhas de pesquisas relativamente independentes, pois dependem de métodos e técnicas de extração distintos para cada análise. No entanto, muitos pesquisadores têm se dedicado ao desenvolvimento de técnicas que permitam a recuperação e análise de múltiplas categorias de microvestígios a partir de uma mesma amostra. Essa estratégia, que pode ser chamada “análise multivestígios”, permite superar as limitações inerentes a cada categoria de microvestígio, ampliando a gama de informações obtidas e deixando a microarqueobotânica em posição de oferecer interpretações mais robustas, que para além do uso de plantas, abordam questões importantes sobre outros aspectos da vida dos grupos estudados.

Os microvestígios botânicos são excelentes indicadores ambientais, ecológicos e de atividade humana e seu estudo é de grande importância para muitas disciplinas científicas, como a Paleoecologia, a Geologia, a Palinologia, a Botânica e a Agronomia. Na Arqueologia, são essenciais para investigações sobre uso, consumo, cultivo e domesticação de plantas, especialmente em ambientes que não favorecem a preservação de vestígios botânicos macroscópicos, como regiões tropicais.

As pesquisas microarqueobotânicas foram inicialmente focadas em reconstituições paleoambientais e na identificação de plantas domesticadas. Nas últimas décadas, elas se tornaram fundamentais em investigações sobre as origens da agricultura e vêm demonstrando que o cultivo e a domesticação de vegetais começaram muito mais cedo do que se imaginava em diversas regiões, inclusive na América Tropical. Mais recentemente, os estudos se diversificaram e hoje abrangem temas como dieta, subsistência e produção de alimentos, uso medicinal e ritualístico de plantas, função de artefatos, práticas de sepultamento, áreas de atividade, interação entre humanos e outros animais, entre outros.

A Microarqueobotânica é uma disciplina bastante jovem e em franco desenvolvimento, e ainda há muitas questões teóricas e metodológicas em aberto, especialmente no Brasil. Em sua trajetória, o LAP tem investido em diversos estudos microarqueobotânicos e contribuído para o avanço da área no país.